quarta-feira, 11 de junho de 2008

Solidão Pós-Moderna

por Rubem Martins Amorese

O Século XXI é mutante. Isso não chega a ser novidade, se pensarmos que o homem sempre esteve, digamos, evoluindo. A ciência e a tecnologia estão aí, dando saltos imensos, em frentes que vão da microbiologia e seus transgénicos à busca do deslindamento da história do universo, através das lentes de poderosos telescópios.

Somos mutantes, no entanto, no sentido de que nossa humanidade se perde nessas mudanças. Elas são em número e velocidade acima de nossa capacidade de absorção. Alienação passa a ser um antiácido a ser ingerido juntamente com a salada de frutas de informação que temos que deglutir todo dia.

Nossa desumanização começa, por exemplo, quando abrimos mão da casa paterna para tentar a vida em uma outra cidade ou país — e nunca mais voltamos. Nossos pais ficam sem netos e nossos filhos sem avós e tios. E nossa história, nossos valores, ideais, referenciais e heróis; nosso património simbólico, enfim, se perde na distância.

Longe da família e da igreja de origem, buscamos formar uma nova família. Uma família plasmada na correria da vida, na superficialidade, na sensualidade e na urgência oriunda de uma crescente carência afectiva. Tentamos reter na memória a nossa velha humanidade, mas já não nos sentimos à vontade abrindo o coração, falando do mundo interior, de sonhos, de ideais, de projectos de vida que, eventualmente, possam ser vividos a dois. "Ficamos" até onde for possível.

No ambiente de trabalho, as relações são cordiais o suficiente para esconder a luta encarniçada estabelecida pela competição: somente os mais adaptados sobrevivem. Os encontros, festas, almoços e jantares de negócio são o que resta dos laços cálidos e duradouros dos companheiros da infância.

Para sobreviver nesse ambiente hostil e exigente, pai e mãe precisam trabalhar. Para serem alguém, algo mais que simples "mão-de-obra", precisam de toda a energia disponível para tocar uma carreira de sucesso. Precisam vencer na vida. E essa vitória não comporta filhos. Pelo menos não do jeito antigo: filhos para serem amados em um convívio extenso e intenso. Agora eles são "curtidos" nos finais de semana em que não estejamos viajando a serviço. Durante a semana, terão uma boa educação numa creche ou numa escola de tempo integral. Desmamados cedo, eles aprendem a ser independentes.

Quando o divórcio vem (a carreira pode exigir), eles passam a viver ora com o pai, ora com a mãe — e com seus meios-irmãos, oriundos do novo casamento do pai e da mãe.

Não tenhamos pena desses nossos filhos. Eles se adaptarão. Sobreviverão e serão parecidos connosco. Não, serão melhores. Serão mais fortes e resistentes às distâncias, indiferenças e separações. Serão adaptados a um mundo onde não se olha para dentro, para a alma; aprenderão a ligar a televisão para não ouvir o silêncio; aprenderão a se ligar às pessoas sem chegar perto; aprenderão a confiar desconfiando e a não esperar misericórdia; aprenderão a fazer amor sem amar; aprenderão a viver no Século XXI. São mutantes.

Alguns deles, um dia, numa praça, numa esquina, ouvirão dizer que "Cristo salva". E pensarão: "não estou morrendo". Outros, no entanto, compreenderão que nEle lhes é possível uma nova e antiga humanidade — a humanidade original, na qual o colo do pai, da mãe, de tios e avós lhes é restaurado no mistério da igreja; no milagre da regeneração de seu próprio interior. Salvação. Nossos filhos mutantes, perdidos e órfãos ouvirão: "assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus" (Ef 2, 19)— e crerão.


Sobre o autor: Rubem Amorese é presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto - IPP em Brasília. Outros artigos do autor podem ser acessados em http://www.amorese.com.br/.

1 comentário:

CARINA PAULO disse...

Oi,

Infelizmente é uma Verdade horrível!!!!

Tenho tentado lutar contra esta mutação na minha vida.Fiz opções de deixar grande parte do meu trabalho ( até mesmo porque Deus me mostrou o que eu precisava fazer), em detrimento das minhas filhas, meu marido, minha vida espiritual.
Glória a Deus porque Ele tem me sustentado e me dado forças para persistir!!!!

Acho muito válido este texto para despertar leitores que como eu desejam fortalecer a família e assim cumprir a vontade de Deus!
Peço autorização para publicá-lo em meu Blog: http://criancasparajesus.blogspot.com/

Carina Bastos