sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O eu, o nós e a auto-estima

Vivemos um tempo em que as pessoas se amam. Um fenómeno de dimensão sem precedente na história do Ocidente.

A expressão “auto-estima”, como justificativa politicamente correcta ou objectivo universalmente aceito para qualquer acção, está presente em cada conversa de cafezinho, em programas pedagógicos, no planeamento governamental, na boca de políticos e até de quem não sabe o que dizer. Você precisa de um bom motivo para justificar o que deseja fazer? Diga que faz bem à sua auto-estima; que você se ama.

Entre os crentes, a expressão já foi justificada biblicamente e aceita, sem receio de mundanismo: para amar o meu próximo como a mim mesmo, preciso primeiro amar a mim mesmo. Amar ao próximo, portanto, “requer” auto-estima.

Acho positiva essa moderna preocupação com a saúde do “eu”. Em especial, quando ela se materializa na cultura da saúde: na onda do “fitness” (treino em academias) para qualquer idade, nas caminhadas, na hidroginástica, na comida saudável, na dieta da moda, nos “spas”, nas grelhas que eliminam a gordura, nos cereais matinais, nos iogurtes com bacilos, nos complexos vitamínicos, no consumo de fibras, na redução de colesterol, nos três litros de água por dia etc.

Essa moda traz também o cuidado com a mente e com o “eu espiritual”. Surgem, então, os livros de auto-ajuda, as revistas especializadas em bem-estar e forma física e mental; os gurus do anti-stresse, os mentores espirituais, os psicólogos pessoais (“personal shrinks”), conselheiros financeiros etc.

Não é difícil notar que toda essa preocupação com a saúde vem sendo incorporada pelas novas gerações como estilo de vida. Chega a assumir a força de religião. Por exemplo, uma caminhada no parque, hoje, é uma desculpa aceitável para recusar uma hora extra. Já estava agendada. Já no limite do aceitável, você pode justificar a falta a um casamento dizendo que tem trauma de casamentos à tarde. Bem, talvez compreendam que você está cuidando de sua auto-estima.

O lado saudável de tudo isso não deve, no entanto, nos encobrir uma subtil ameaça ao cristianismo: a confusão entre auto-estima e egoísmo. Nos dois casos, estou investindo em mim mesmo. Mas o “ego-ismo”, significando “eu-ismo”, tende a me afastar dos outros, levando-me a um individualismo que separa, isola. Temo que, em poucos anos, se tivermos que escolher entre nós e eu, o eu ganhe todas. Temo que a auto-estima se fortaleça às custas da solidariedade. E que esse eu se transforme em um dragão que devore a caridade; devore aquele amor altruísta que se faz “pão e vinho” e se derrama em serviço, em “lava-pés”.

Talvez eu esteja exagerando em meus temores. Queira Deus! Mas tenho orado, nesse sentido, por nossa igreja. Peço que a hipertrofia do nosso eu não nos conduza à transgressão. Peço por discernimento. Peço que aprendamos a cuidar de nós mesmos sem esquecer o ensino de Jesus: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16.24).

Autor:
• Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Icabode -- da mente de Cristo à consciência moderna. ruben@amorese.com.br
Fonte: Editora Ultimato

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