quarta-feira, 18 de junho de 2008

O máximo em arrogância

Você pode subir muito para seu próprio bem. É possível subir alto demais, ficar alto demais e alçar alto demais.

Fique muito tempo em altas altitudes e dois dos seus sentidos vão sofrer. Você perde a audição. É difícil ouvir pessoas quando se está mais alto que elas.

As vozes ficam distantes. As frases parecem abafadas. E, quando se está lá em cima, a sua vista embaça. É difícil focalizar as pessoas quando se está muito acima delas. Elas parecem tão pequenas... Pequenos vultos sem rosto. Você mal consegue distinguir umas das outras. Todas elas parecem iguais.

Você não as ouve. Você não as vê. Você está acima delas.

É exactamente aí que David está. Ele nunca esteve mais alto. A onda do seu sucesso chega ao auge quando ele tem 50 anos. Israel está a expandir-se. A nação está a prosperar. Em duas décadas no trono, ele distinguiu-se como guerreiro, músico, estadista e rei. O seu ministério é forte e as suas fronteiras cobrem mais de 95.000 quilómetros quadrados. Não há derrotas no campo de batalha. Não há manchas na sua administração. David é amado pelo povo; servido pelos soldados; seguido pelas multidões. David está lá no alto o tempo todo.

Que contraste com o modo como o encontramos pela primeira vez no vale de Elá: ajoelhando-se à beira do ribeiro, procurando por cinco pedras lisas! Todos os outros estavam em pé. Os soldados estavam em pé. Golias estava em pé. Seus irmãos estavam em pé. Os outros estavam no alto; David estava abaixado, de barriga para baixo, na parte mais baixa do vale. Nunca esteve tão baixo, contudo nunca esteve tão forte.

Três décadas depois a sua situação inverteu-se. Nunca esteve tão alto, ao mesmo tempo nunca esteve mais fraco. David chega ao ponto mais alto da sua vida, na posição mais alta do reino, no lugar mais importante da cidade — no terraço que dava vista para Jerusalém.

Ele deveria estar com seus homens, na batalha, com um pé no cavalo e o outro no encalço do seu inimigo. Mas ele não estava. Ele estava em casa.

Na primavera, época em que os reis saíam para a guerra, David enviou para a batalha Joabe com os seus oficiais e todo o exército de Israel; e eles derrotaram os Amonitas e cercaram Rabá. Mas David permaneceu em Jerusalém (2 Samuel 11:1).

É primavera em Israel. As noites são quentes e o ar está perfumado. David tem o tempo nas mãos, o amor na cabeça e as pessoas à sua disposição.

Os seus olhos caem sobre uma mulher enquanto ela está no banho. Sempre teremos curiosidade para saber se Bate-Seba estava a tomar banho num lugar onde não deveria estar, à espera que David olhasse para onde não deveria olhar. Nunca saberemos. Contudo, sabemos que ele olha e gosta do que vê. Por isso ele pergunta sobre ela. Um servo volta com a seguinte informação: "É Bate-Seba, filha de Eliã e mulher de Urias, o hitita" (11:3).

O servo passa a informação com uma advertência. Ele não só dá o nome da mulher, mas o seu estado civil e o nome do seu marido. Porque é que ele diz a David que ela é casada senão para preveni-lo? E porque dá o nome do marido se David não estava familiarizado com ele?

É provável que David conhecesse Urias. O servo espera, com jeito, dissuadir o rei das suas pretensões. Mas David não entende a dica. O versículo seguinte descreve o primeiro passo de David numa ladeira cheia de óleo."David mandou que a trouxessem, e se deitou com ela" (11:4).

David "manda" muitas vezes nesta história. Ele envia Joabe para a batalha (v.1). Ele envia um servo para procurar saber coisas sobre Bate-Seba (v. 3). Ele manda que tragam Bate-Seba até ele (v. 4). Quando fica a saber da gravidez de Bate-Seba, David manda um recado a Joabe (v. 6) para que ele envie Urias para Jerusalém. David manda Urias descansar em casa com Bate-Seba, mas Urias é nobre demais. David opta por mandar Urias novamente para a batalha numa posição em que certamente será morto. Pensando que a sua tentativa para encobrir a verdade está completa, David manda que tragam Bate-Seba e casa-se com ela (v. 27).

Não gostamos deste David que envia, que exige. Preferimos o David que pastoreia, que cuida do rebanho; o David que lança com força, que se esconde de Saul; o David que adora, que escreve salmos. Não estamos preparados para o David que perde o domínio doseu autocontrole.

O que aconteceu com ele? Simples! É o mal da altitude. Ele estava lá no alto havia muito tempo. O ar rarefeito mexeu com os seus sentidos. Ele não pode ouvir como estava acostumado. Não pode ouvir as advertências do servo ou a voz da sua consciência. Nem pode ouvir o seu Senhor. O pico ensurdeceu os seus ouvidos e cegou os seus olhos. David viu Bate-Seba? Não. Ele viu Bate-Seba tomar banho.

Fique muito tempo em altas altitudes e dois de seus sentidos vão sofrer.

Viu o corpo de Bate-Seba e as curvas de Bate-Seba. Viu Bate-Seba como uma conquista. Mas viu Bate-Seba como ser humano? A esposa de Urias? A filha de Israel? A criação de Deus? Não. David perdeu sua visão. Tempo demais no topo da montanha fará isso consigo. Horas demais sob o sol brilhante e no ar rarefeito deixá-lo-ão ofegante e atordoado.

Sem dúvida, quem entre nós poderia subir tão alto quanto David? Quem entre nós está a um estalar de dedos de um encontro com alguém que escolhemos? Presidentes e reis podem mandar pessoas cumprirem as suas ordens; temos sorte de poder pedir que alguém nos traga comida chinesa. Não temos esse tipo de influência.

Podemos entender outros conflitos de David. O seu medo de Saul. Longos períodos de tempo a esconder-se no deserto. Estivemos lá. Mas o importante e poderoso David? O terraço de David é um lugar onde nunca estivemos.

Ou estivemos?

Eu não estive num terraço, mas em um voo. E não vi uma mulher no banho, mas uma comissária de bordo a desconversar o tempo todo. Ela não conseguia fazer nada certo. Pediam soda e ela trazia suco. Pediam um travesseiro e ela trazia um cobertor — isso quando de facto trazia alguma coisa.

E comecei a resmungar. Não em voz alta, mas nos meus pensamentos. O que há com o serviço nestes dias? Acho que estava a ficar um pouco convencido. Havia acabado de dar uma palestra num evento. As pessoas haviam dito como estavam felizes por me verem ali. Não sei o que era mais louco: o facto de elas dizerem isso ou o facto de eu acreditar nisso. Assim entrei no avião sentindo-me o tal. Tive de inclinar a cabeça para passar pela porta. Tomei o meu assento sabendo que o voo era seguro, já que os céus sabem que sou essencial para a obra de Deus.

Então pedi o refrigerante, o travesseiro... Ela mencionou os serviços e eu murmurei. Vê o que eu estava a fazer? Colocando-me acima da comissária de bordo. Na hierarquia social do avião, ela estava abaixo de mim. A função dela era servir e a minha era ser servido.

Não olhe para mim assim. Já não se sentiu um pouco superior a alguém? Ao que ajuda no estacionamento; ao balconista; ao vendedor; ao funcionário de casaco xadrez? Você já fez o que fiz. E você já fez o que David fez. Perdemos a nossa visão e a nossa audição.

Quando olhei para a comissária de bordo, não vi um ser humano; vi uma comodidade necessária. Mas a pergunta dela mudou tudo.

— Sr. Lucado?

Imagine a minha surpresa quando a comissária de bordo se ajoelhou ao lado do meu assento.

— É o senhor que escreve os livros cristãos?

Livros cristãos, sim. Pensamentos cristãos — essa é uma outra questão, eu disse para mim mesmo, descendo as escadas do terraço.

— Posso falar com o senhor? — ela perguntou. Os olhos dela encheram-se de lágrimas, o seu coração abriu-se e ela usou os três ou quatro minutos seguintes para falar da sua dor. A papelada do divórcio havia chegado naquela manhã. O marido dela não lhe respondia. Ela não sabia onde iria morar. Mal podia concentrar-se no trabalho. Eu poderia orar por ela?

Orei. Mas tanto Deus como eu sabíamos que ela não era a única que estava a precisar de oração.

Talvez você pudesse usar também uma oração. Como está a sua audição? Você ouve os servos que Deus envia? Você ouve a consciência que Deus desperta?

E a sua visão? Você ainda vê pessoas? Ou vê apenas as suas funções? Vê pessoas que precisam de você ou vê pessoas abaixo de si?

A história de David e Bate-Seba é mais uma história de poder do que uma história de luxúria. Uma história de um homem que subiu alto demais para seu próprio bem. Um homem que precisava de ouvir estas palavras: "Desça antes que caia".

"O orgulho vem antes da destruição; o espírito altivo, antes da queda" (Provérbios 16:18).

Deve ser por isso que Deus odeia a arrogância. Ele detesta ver seus filhos caírem; detesta ver osseus Davids seduzirem e as suas Bate-Sebas serem vitimadas.

David e Bate-Seba: é mais uma história de poder do que uma história de luxúria.

Deus odeia o que o orgulho faz com os seus filhos. Não é que ele não goste da arrogância. Ele a odeia. Ele poderia deixar isso mais claro do que Provérbios 8:13: "Odeio o orgulho e a arrogância"? E depois, alguns capítulos mais adiante: "O SENHOR detesta os orgulhosos de coração. Sem dúvida serão punidos" (16:5).

Você não quer que Deus faça isso. Pergunte a David. Ele nunca se recuperou totalmente desse episódio com esse gigante. Não cometa o erro de David. É muito mais sábio descer a montanha do que cair dela.

Busque humildade. Humildade não significa pensar coisas inferiores sobre si mesmo, mas pensar menos em si mesmo. "Ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter; mas, ao contrário, tenha um conceito equilibrado, de acordo com a medida da fé que Deus lhe concedeu" (Romanos 12:3).

Humildade não significa pensar coisas inferiores.

Aceite a sua pobreza. Todos somos igualmente duros e abençoados. "O homem sai nu do ventre de sua mãe e, como vem, assim vai" (Eclesiastes 5:15).

Resista ao lugar de notoriedade. "[Quando você for convidado,] ocupe o lugar menos importante, de forma que, quando vier aquele que o convidou, diga-lhe:'Amigo, passe para um lugar mais importante'. Então você será honrado na presença de todos os convidados" (Lucas 14:10).

Não é melhor ser convidado a subir do que a descer?

Deus tem um remédio para os altivos e poderosos: descer da montanha. Você surpreender-se-á com o que ouve e com quem vê. E irá respirar com muito mais facilidade.

Autor: Max Lucado

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