segunda-feira, 12 de maio de 2008

A Oração e a Soberania de Deus

Autor: Ricardo Barbosa de Souza

"O que nós mais necessitamos é redescobrir Deus como nosso Pai"

Jesus, explicando a importância da oração, afirmou o seguinte: "Não vos assemelheis, pois, a eles [referindo-se aos gentios que presumiam que, pelo muito falar, seriam ouvidos]; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade antes que lho peçais" (Mateus 6.8). Essa afirmação de Jesus sempre me intrigou muito. Se Deus sabe o que preciso, se conhece todas as minhas necessidades, por que então devo orar? Qual a finalidade da oração se Deus, antes mesmo que eu lhe apresente qualquer pedido, já sabe o que de fato necessito?

Acredito que, para entender melhor o que Jesus está dizendo, devemos mudar primeiro nosso conceito e percepção da oração. Para muitos, a oração é um instrumento que Deus coloca à nossa disposição para fazermos as coisas acontecerem. Estas coisas podem ser desde grandes milagres até uma forcinha para passar na prova (o que, em alguns casos, não deixa de ser milagre). A imagem que temos é a de que Deus fica dando sopa por aí com seu poder, e a oração é o recurso de que dispomos para ativar essa inesgotável fonte de bênçãos. Precisamos aprender a tirar o máximo de Deus e usufruir daquilo que Ele pode nos dar. Para isso, oramos, insistimos, suplicamos, jejuamos para fazer com que Deus saiba o que queremos e seja de certa forma, convencido a fazer o que julgamos correto.


Diante dessa imagem, ouvimos Jesus afirmar: "Eu conheço as necessidades de vocês antes mesmo que supliquem por elas." Se Ele sabe, por que então devo suplicar? Por que Ele não resolve de vez me dar aquilo de que necessito sem que eu tenha que pedir? Será que Deus e um desses pais sádicos que não soltam a grana enquanto não vêem seus filhos humilhados e convencidos do seu grande poder?

Relacionamento Pessoal
O que um pai mais gostaria de ouvir de seus filhos? Eu tenho dois. Para mim – embora eu seja bastante limitado em minhas percepções -, não é muito difícil saber o que eles necessitam. Principalmente, quando se trata de coisas materiais. Como pai, não lhes nego tudo aquilo que é possível e que julgo necessário para o seu desenvolvimento físico, mental, social, e espiritual. No entanto, o que eu mais gostaria de ver neles – e estou certo de que é também o que eles mais procuram em mim, embora nem sempre demonstremos isto – é uma relação pessoal de amizade, amor, respeito e aceitação. Se nós, que somos pais, sabemos do que nossos filhos necessitam e temos o maior prazer em atender, nosso Pai celeste com toda a certeza também sabe o que precisamos, o que é melhor para nós, e tem muito mais prazer em responder aos anseios dos seus filhos.
Mas o que o Pai do céu busca é filhos que o procuram, não pelo que Ele pode e tem para oferecer, mas por quem Ele é e pelo prazer de estarem com Ele em comunhão e amizade. Deus sabe o que necessitamos. Se nós o conhecemos como um Pai que nos ama e que se preocupa com cada detalhe da nossa vida, sabemos que podemos descansar em seu amor e providência, e, conseqüentemente, aquilo que necessitamos deixa de ocupar o primeiro lugar na agenda dos nossos encontros e conversas com Deus. Como pai, o que mais gostaria de ouvir dos meus filhos não é a lista de itens que precisam – muitos deles legítimos, outros nem tanto, e, quem sabe, a maioria absolutamente supérflua – mas de estar com eles, poder amá-los e ser amado, gozar de uma amizade intensa, íntima e pessoal.
Quando Jesus afirma que o nosso Pai sabe o que necessitamos, Ele muda radicalmente todo o conceito utilitário que temos da oração. Ele demonstra, com tais palavras, que nossas necessidades fazem parte da agenda e cuidado de Deus antes mesmo que tenhamos consciência delas. Jesus aponta para um novo modelo de relação a partir da oração. A pauta das nossas orações não somos mais nós e nossas necessidades, mas Deus e nossa comunhão com Ele. Oramos, não para reivindicar nossas necessidades, mas para demonstrar amor e afeto por nosso Pai.

Vãs Repetições
Censurando a forma como os gentios e hipócritas oravam, Jesus disse: "Orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que, pelo seu muito falar, serão ouvidos." O problema das repetições não está na nossa necessidade de suplicar e até mesmo insistir por nossas necessidades diante de Deus, mas no conceito falso de que é a nossa insistência que abre os ouvidos de Deus. Quando agimos assim, colocamos na oração um poder que não lhe pertence. Achamos que é a repetição que torna a súplica favorável diante de Deus, e não a mediação soberana de Jesus Cristo.
O povo insistiu para ter um rei e Deus lhes deu Saul. No entanto, esta insistência os levou a trocar o governo justo de Deus por um governo humano limitado, frágil e injusto. A insistência fez com que rompessem as relações pessoais que haviam sido construídas pela aliança que Deus havia estabelecido por uma relação institucional e impessoal com o imperador. Quando substituímos Deus, com seu imenso amor e cuidado paterno, pela insistência vã e repetitiva, transformamos a oração num fim e Deus apenas no meio para alcançarmos o que a nossa vaidade busca. Deus, e somente Deus, é o motivo e a razão da nossa oração.
Talvez o que nós mais necessitemos seja redescobrir Deus como nosso Pai. Não na perspectiva das lembranças e memórias que temos dos nossos pais, mas a partir da relação que o próprio Filho Jesus teve com o Pai. É ele quem nos revela o Pai com seu cuidado amoroso e terno. Jesus mesmo nunca precisou usar o recurso das vãs repetições para conseguir qualquer vantagem, mas sempre se ofereceu em completa obediência e temor ao Pai, na certeza de guiá-los pelos caminhos que determinou.
Orar é entrar nesta relação única que Jesus, o Filho, nutriu com o Pai. Buscar a vontade do Pai, oferecendo-nos em submissão e obediência para que Ele seja o princípio e o fim de toda a nossa existência. Deus sabe o que necessitamos. Basta reconhecê-lo como Pai para termos certeza disso. A oração não existe para informar a Deus o que Ele já sabe a respeito de nossas necessidades, mas para gozar da alegria de experimentar sua vontade justa e soberana; e, no mais, as outras coisas nos serão acrescentadas.

Fonte: Revista VINDE, Ano 1 – No. 12 – Outubro/1996

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