De uns tempos para cá, temos sido atropelados por uma infinidade de temas sérios que atingem e comprometem toda a sociedade, e que se agravam a cada dia apesar das tentativas de contê-los. Corrupção, violência, imoralidade, miséria e pobreza, prostituição infantil e abusos sexuais, drogas e alcoolismo, são alguns destes temas. Sempre que surge um novo escândalo em qualquer uma dessas áreas, educadores protestam contra a falta de investimento na educação, psicólogos analisam o comportamento das pessoas, sociólogos estudam o efeito das mudanças na civilização, políticos nomeiam comissões e jornalistas noticiam, cada um buscando alternativas para uma realidade que cresce e perturba os mais acomodados.
A civilização ocidental foi moldada pela tradição cristã, que tem nos mandamentos divinos sua base ética e moral. Durante séculos, o temor a Deus e a consciência de dever para com seus mandamentos moldaram o caráter não só dos cristãos, mas de toda a sociedade. Porém, vivemos hoje uma rejeição a qualquer norma ou princípio que venha de fora. Toda a possibilidade de se estabelecer fronteiras, limites, bem como a idéia de “autoridade”, perturbam as mentes mais pacíficas. Cada um — e não Deus — elabora suas próprias normas e define a forma como irá viver.
A rejeição moderna aos mandamentos de Deus tem suas raízes no secularismo materialista e narcisista. A intensificação do individualismo, a busca pela auto-realização, tem levado muitos, inclusive cristãos, a criarem um mundo exclusivo onde o sentir-se bem é o valor supremo, e, neste mundo, os mandamentos e o temor a Deus têm de desaparecer. Em nome da liberdade vamos nos tornando mais tolerantes, uma vez que os interesses pessoais se sobrepõem aos mandamentos divinos.
A tendência moderna de rejeição aos mandamentos seria percebida de forma insuficiente se não considerássemos o conflito que se encontra por trás dela: a negação de Deus e a assumida autonomia humana. É assim que o salmista descreve esta realidade: “Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o Senhor e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos os laços e sacudamos de nós as suas algemas” (Sl 2.2-3). Este é o horizonte maior sobre o qual nossos olhos devem se concentrar.
Se olharmos a Palavra de Deus com este tema em mente, ficaremos surpresos ao perceber sua relevância e importância tanto para a espiritualidade pessoal como para a moral e ética de uma sociedade. Os mandamentos revelam o amor e cuidado de Deus por suas criaturas; eles foram dados depois que Deus os libertou da escravidão — “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da casa da servidão” (Êx 20.2). E nossa obediência a eles revela também nosso amor por ele — “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; assim como também eu tenho guardado os mandamentos do meu Pai, e no seu amor permaneço” (Jo 15.10). Além de estabelecer este relacionamento pessoal, eles constituem o fundamento da ética e da moral, que, em outras palavras, é a forma como nos relacionamos com um profundo senso de respeito e amor para com o próximo. A espiritualidade pessoal requer um compromisso ético e moral.
As propostas de educadores, psicólogos e tantos outros profissionais que se interessam pela solução dos grandes temas nacionais têm seu valor; mas a atitude consciente ou não de rompimento com os mandamentos divinos encontra-se na base destes grandes temas. Nossos olhos já não estão mais voltados exclusivamente para Deus em adoração e obediência; banalizamos o seu nome; atropelamos o tempo e não celebramos o descanso como expressão da confiança na providência divina; não damos mais a honra devida aos pais e aos idosos; matamos e destruímos a dignidade do outro com palavras e gestos; perdemos a capacidade de permanecer fiéis, de nos contentar com o que temos, de fazer da nossa palavra um testamento e não desejar nada que não seja nosso.
Por trás de cada ato de violência, corrupção ou imoralidade está, muito antes das deficiências na educação ou dos distúrbios de comportamento, a quebra de um mandamento. Alguns buscam uma espiritualidade sem ética ou moral; outros, uma ética e moral sem espiritualidade. Porém as duas precisam andar sempre juntas.
• Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração.
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