Neste ano completo 25 anos de ordenação, 25 anos de pastorado na mesma igreja e 29 anos de casamento, com a mesma mulher. Permanecer por um longo tempo num mesmo lugar, num mesmo projeto, numa mesma atividade, com o mesmo grupo, em geral produz em nós sentimentos de frustração, cansaço e desânimo. É comum se sentir assim após uma longa estada no mesmo emprego, fazendo a mesma coisa, ou mesmo após um longo casamento, morando no mesmo lugar, convivendo com a mesma pessoa, mantendo a mesma rotina por anos a fio. Nós, seres modernos, diante do dinamismo que a cultura nos impõe, com todas as alternativas e opções que temos, tornamo-nos cada vez mais resistentes à permanência e mais abertos às mudanças.
Mudar é bom e necessário. Não podemos nos conformar e deixar que as coisas permaneçam como estão, principalmente quando é possível torná-las melhores. Mas precisamos também resistir às inquietações da vida moderna e às pressões por mudanças, que em nada contribuem para o crescimento e para as transformações de que precisamos.
É importante reconhecermos que nenhuma mudança real acontece sem que outros participem do processo. Somos parte de um corpo; o que acontece comigo afeta os outros e vice-versa, por isso é importante permanecer ligado à comunidade, seja ela família ou igreja. O problema da vida moderna não é a necessidade de mudar, mas a inquietação que não nos permite crescer.
O crescimento e a transformação pessoal se dão dentro da dinâmica dos relacionamentos. Para eu crescer, é importante que aqueles que convivem comigo participem da minha história, me apóiem e me sustentem. É por isso que vivemos em permanente tensão. Por um lado, resistimos a permanecer num mesmo lugar com as mesmas pessoas; por outro, não é possível crescer e amadurecer fora desses lugares e longe dessas pessoas. Somos tentados a viver espasmodicamente, colhendo experiências diversas numa eterna aventura adolescente. Insistimos em viver desconectados, sem alguém para dividir nossas histórias e experiências. Certa vez, Jesus disse aos seus discípulos: “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós”. Foi um convite para um relacionamento longo, dinâmico e recíproco. Não seria fora de propósito, nem abusar das regras exegéticas, estender esse convite de Jesus aos nossos relacionamentos familiares e comunitários. A partir dessas palavras do Mestre, um marido poderia dizer à sua esposa: “Permaneça comigo e eu vou permanecer com você”. A comunidade poderia dizer: “Vamos permanecer uns com os outros”. É uma expressão que nos conecta com o próximo e nos leva a um longo caminho de comunhão e crescimento.
Nos últimos tempos tenho pensado na fé como perseverança. Preciso permanecer com minha esposa e meus filhos, com meus amigos e irmãos e com minha comunidade. Essa permanência não é simplesmente “estar juntos”, mas caminhar em direção a Cristo e na comunhão com ele, “suportando uns aos outros”, “estimulando uns aos outros às boas obras”, “sendo pacientes uns com os outros”, “orando uns pelos outros”, “perdoando uns aos outros”, e tantos outros “uns aos outros” que podemos experimentar juntos.
Essa é a dinâmica do Corpo de Cristo, onde permanecemos ao lado dos outros, às vezes caminhando por caminhos que não queremos trilhar, mas seguros de que a vida de cada um está ligada à vida do outro. Nesta permanência, aprendemos a chorar uns com os outros e a nos alegrar uns com os outros. Esse tipo de permanência será sempre dinâmica e nos fará crescer de forma saudável, humana e divina.
Sou profundamente grato a Deus por minha família, minha igreja e meus amigos, que permanecem comigo há tantos anos. É uma convivência marcada por alegria e tristeza, compreensão e incompreensão, realização e frustração. Porém, é dentro dessa dinâmica que tenho aprendido a amar e perdoar; a acolher e ser acolhido; a me conhecer melhor e participar das histórias dos outros. Essa permanência me livra das relações superficiais, das paixões imaturas, das aventuras irresponsáveis e da vida autocentrada.
• Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração.
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